terça-feira, 11 de maio de 2010

O QUE É EMERGÊNCIA HOSPITALAR


                                    

                                                      




 UTILIDADE PÚBLICA




 Que é Atendimento de Urgência ou Emergência Hospitalar?




Cláudio Neme - Gisele Clozer Pinheiro Garcia









Em 2001, o governo, preocupado com o atendimento de urgência e emergência em hospitais, publicou pelo Ministério da Saúde uma cartilha contendo normas e orientações visando a:



"Implantação dos Sistemas Estaduais de Referência Hospitalar para o Atendimento de Urgência e Emergência" tendo por objetivo "estimular e apoiar em cada estado, a organização e conformação de Sistemas de Referência Hospitalar no atendimento às urgências e às emergências. Tais Sistemas englobam a assistência pré-hospitalar (APH), centrais de regulação, hospitais de referência, treinamento e capacitação das equipes de atendimento".



A implantação desse sistema, como consta do ítem intitulado conceito, levou em conta que:



"As principais causas de mortalidade na população das regiões metropolitanas, na faixa etária entre 15 e 49 anos, são acidentes, envenenamentos e violência...".



E ainda: "São também as mais importantes causas de incapacitação física permanente ou temporária nessa população, levando a perdas econômicas, previdenciárias e grandes dispêndios em tratamentos de complicações na saúde dos pacientes. Isso pode ser evitado, uma vez que boa parte das complicações ocorre em função de atendimentos realizados de forma inapropriada durante a fase aguda (...), mesmo consideradas em conjunto, superam as doenças cardiovasculares e neoplasias[i]".



Posteriormente, o D.O.U nº 219, de 12 de novembro de 2002 , publicou a Portaria Nº 2.048, de 5 de Novembro de 2002, do Ministro de Estado da Saúde, tendo por objetivo o atendimento de Urgência e Emergência na área da saúde.



Resumidamente, são os seguintes os fundamentos dessa portaria:



"Considerando que a área de Urgência e Emergência constitui-se em um importante componente da assistência à saúde;



Considerando o crescimento da demanda por serviços nesta área nos últimos anos, devido ao aumento do número de acidentes e da violência urbana e a insuficiente estruturação da rede assistencial, que têm contribuído decisivamente para a sobrecarga dos serviços de Urgência e Emergência disponibilizados para o atendimento da população;



Considerando a necessidade de ordenar o atendimento às Urgências e Emergências, garantindo acolhimento, primeira atenção qualificada e resolutiva para as pequenas e médias urgências, estabilização e referência adequada dos pacientes graves dentro do Sistema Único de Saúde, por meio do acionamento e intervenção das Centrais de Regulação Médica de Urgências;



(...)



resolve:



Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, o Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência.



§ 1º O Regulamento ora aprovado estabelece os princípios e diretrizes dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência, as normas e critérios de funcionamento, classificação e cadastramento de serviços e envolve temas como a elaboração dos Planos Estaduais de Atendimento às Urgências e Emergências, Regulação Médica das Urgências e Emergências, atendimento pré-hospitalar, atendimento pré-hospitalar móvel, atendimento hospitalar, transporte inter-hospitalar e ainda a criação de Núcleos de Educação em Urgências e proposição de grades curriculares para capacitação de recursos humanos da área;



§ 2º Este Regulamento é de caráter nacional devendo ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios na implantação dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência, na avaliação, habilitação e cadastramento de serviços em todas as modalidades assistenciais, sendo extensivo ao setor privado que atue na área de urgência e emergência, com ou sem vínculo com a prestação de serviços aos usuários do Sistema Único de Saúde.



Art. 2º Determinar às Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios em Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde, de acordo com as respectivas condições de gestão e a divisão de responsabilidades definida na Norma Operacional de Assistência à Saúde - NOAS-SUS 01/2002, a adoção das providências necessárias à implantação dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência, à organização das redes assistenciais deles integrantes e à organização/habilitação e cadastramento dos serviços, em todas as modalidades assistenciais, que integrarão estas redes, tudo em conformidade com o estabelecido no Regulamento Técnico aprovado por esta Portaria, bem como a designação, em cada estado, do respectivo Coordenador do Sistema Estadual de Urgência e Emergência.



A assistência às urgências se dá, ainda hoje, predominantemente nos serviços que funcionam exclusivamente para este fim os tradicionais pronto-socorros - estando estes adequadamente estruturados e equipados ou não. Abertos nas 24 horas do dia, estes serviços acabam por funcionar como porta-de-entrada do sistema de saúde, acolhendo pacientes de urgência propriamente dita, pacientes com quadros percebidos como urgências, pacientes desgarrados da atenção primária e especializada e as urgências sociais. Tais demandas misturam-se nas unidades de urgência superlotando-as e comprometendo a qualidade da assistência prestada à população. Esta realidade assistencial é, ainda, agravada por problemas organizacionais destes serviços como, por exemplo, a falta de triagem de risco, o que determina o atendimento por ordem de chegada sem qualquer avaliação prévia do caso, acarretando, muitas vezes, graves prejuízos aos pacientes. Habitualmente, as urgências sangrantes e ruidosas são priorizadas, mas, infelizmente, é comum que pacientes com quadros mais graves permaneçam horas aguardando pelo atendimento de urgência, mesmo já estando dentro de um serviço de urgência". (grifo nosso).



É inegável que o médico, pela sua formação, dedica-se diariamente a atendimento humanitário De acordo com o professor Pablo González Blasco



"humanista é o homem que define atitudes concretas diante da vida, fruto da sua reflexão e como conseqüência de uma filosofia que norteia sua existência. Se este homem humanista é médico, essas atitudes que envolvem a sua própria vida atingirão as outras vidas, aquelas que ele tem que cuidar, e portanto implicarão uma postura concreta diante da vida humana, da vida doente, do sofrimento e da dor, da vida que se acaba".



(Pablo González Blasco, Diretor Científico da SOBRAMFA- Sociedade Brasileira de Medicina de Família. Coordenador do Programa Eletivo em Medicina de Família do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde- EPM, UNIFESP. Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM)



Mesmo após um dia pleno de realizações no consultório particular, os médicos que prestam plantão em hospitais têm de se desdobrar, para enfrentar as mais variadas situações de atendimento de saúde ditas de "urgência ou emergência".



Assim é que, os médicos que prestam esse tipo de serviço devem estar preparados para, entre outras atribuições inerentes à sua especialização, efetuar exames clínicos; diagnosticar e prescrever medicações; analisar e interpretar resultados laboratoriais e radiográficos; realizar intervenções cirúrgicas simples; conceder atestados de saúde e atender aos casos de urgência e emergência.



O Código de Ética Médica, no âmbito do Conselho Federal de Medicina instituído pela Resolução CFM nº 1.246, de 8 de janeiro de 1988, (Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958), muito embora nos Artigos 24 e 35, trate dos casos de urgência e emergência, não define tecnicamente o que se entenda por situação médica de urgência ou emergência.



A definição dessas situações vem sendo explicitada em pareceres como o proferido na Consulta nº 55.820/98, encaminhada ao CREMESP e que, em apertada síntese, diz:



"Ementa: 1) Os estabelecimentos de Pronto Socorro Públicos e Privados devem ser estruturados para prestar atendimento a situações de urgência e emergência, garantindo todas a manobras de sustentação da vida e condições de dar continuidade à assistência no local ou em outro nível de atendimento referenciado;



(...)



Define-se por "emergência" a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico imediato. Define-se por "urgência" a ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial à vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata.



(...)

Considerando que a definição rigorosa do que vem a ser urgência e emergência é bastante difícil e a demanda de atenção no Pronto Socorro abrange também toda uma gama de pacientes que não encontram acolhimento em outros serviços (ambulatórios, unidades básicas, etc), com queixas crônicas e sociais, que acabam procurando esse serviço, é necessário que o médico atendente proceda à triagem dos casos utilizando a análise criteriosa e o bom senso para reconhecer o grau de seriedade que envolve cada situação e as possíveis conseqüências de suas ações e omissões



(...)



Este é nosso parecer, s.m.j. Conselheiro Moacyr Esteves Perche -Aprovado na 2.181ª reunião plenária, realizada em 20.11.98. Homologado na 2.184ª reunião plenária, realizada em 24.11.98."



Esses esclarecimentos iniciais, longe de ministrar ensinamentos aos que militam na área jurídica e médica, se tornam oportunos para o desenvolvimento do tema presente, tendo por escopo analisar os fatos que culminaram com a morte do torcedor corintiano Marcos Gabriel Cardoso, 16 anos de idade, em São Paulo, no dia 02/05/2004.



De acordo com a folha "on line" de 06/05/2004:



"(...)



Cardoso morreu por volta da 0h da última terça-feira, quando seria operado para a retirada de um coágulo do cérebro, no Hospital Santa Cecília.



A briga entre torcedores ocorreu na tarde de domingo, antes da partida entre Corinthians e Palmeiras, no Morumbi.O adolescente foi agredido com socos e chutes na cabeça. Por volta das 14h20, ele foi até o hospital Barra Funda, acompanhado por um casal. No hospital, o rapaz foi submetido a diversos exames, como raios-X. Segundo a diretora do PS, Castálide Campos, os exames não apontaram nenhuma alteração neurológica e o torcedor foi liberado. "Recomendamos a ele que voltasse para casa e descansasse", disse.



Na tarde da segunda-feira, o adolescente sentiu-se mal, seguiu para um PS na zona leste da cidade e foi transferido, no início da noite, para o Hospital Santa Cecília, na região central.



Segundo a assessoria do hospital, ele teve traumatismo craniano. O rapaz chegou em estado grave e foi encaminhado para o setor de cirurgia, onde morreu".



Em casos como o narrado acima, para que se possa aquilatar a "culpa" da pessoa ou pessoas envolvidas no atendimento médico do menor, deve-se analisar seu comportamento e, principalmente, se em decorrência de não se ter tomado o cuidado necessário na prática do ato de atendimento hospitalar, ocasionou ao paciente fato lesivo por ação ou omissão, negligência ou imprudência.



Existindo nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e o comportamento do agente causador de dano patrimonial ou moral, a consequência que daí decorre poderá ser o de responsabilizá-lo, sujeitando-se a indenizar a vítima em razão do ato ilícito praticado.



Isto, porém, após processo transitado em julgado já que:



a- "aos litigantes , em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. (inciso LV do Artigo 5º da Constituição Federal).



b- "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (inciso LVII do Artigo 5º da Constituição Federal).



A Constituição, no título VIII, ao tratar da ORDEM SOCIAL, destina o capítulo II ao tema "SEGURIDADE SOCIAL" sendo que, ao se referir a "saúde" diz:



"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (grifo nosso).



"São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado". (Artº 197 da Constituição)



O Código Civil, ao tratar da responsabilidade civil em decorrência da prática de ato ilícito, designa como "dano", a ocorrência dos fatores mencionados no artigo 186, sendo que, a obrigação de indenizar é, da mesma forma, direito expressamente mencionado no Artigo 927:



"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."



"Da Obrigação de Indenizar



Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.



Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".



É bem verdade, que tendo o CÓDIGO CIVIL adotado a teoria subjetiva, a culpa deve ficar evidenciada pelo comportamento omissivo do agente e por outras provas admitidas em direito.



Voltando ao caso em tela, e que foi amplamente divulgado pela imprensa escrita e televisiva, pergunta-se: teria havido erro médico*?



(*) "Erro Médico é a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência".



GOMES, Julio Cezar Meirelles; FRANÇA, Genival Veloso de. Erro Médico – Um Enfoque Sobre Sua Origem E Suas Conseqüências. Montes Claros (MG): Unimontes, 1999. 16



Na quase totalidade dos casos, os médicos que prestam serviços a hospitais firmam com estes um contrato, pelo qual o profissional assume uma série de responsabilidades.



Mas e quanto ao hospital, até que ponto vai sua responsabilidade, quando permite que médicos prestem atendimento de emergência ou urgência sem uma seleção prévia do profissional mais qualificado para esse tipo de atendimento?



Inobstante possa ser entendido que o médico regularmente inscrito no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo tem competência para a prática de qualquer ato médico, o CREMESP, no parecer 28.565/95, já teve oportunidade de dizer que:



"Deve se esclarecer que os Artigos 7 º e 8º do Código de Ética Médica permitem que o médico somente realize os atos médicos para o qual se sinta tecnicamente qualificado.



Já foi ressaltado por Este Conselho, quando da resposta à Consulta 8773/96:



"O atendimento em serviços de Urgência e Emergência, sem dúvida, requerem preparo, o profissional deve estar qualificado para tal atendimento e, se assim não estiver, deve ser previamente reciclado ou treinado. A aceitação de tese contrária, implicaria em se negar a necessidade de especialização, treinamento e preparo do profissional para a situação específica se torna ainda mais imperativo. A demora ou a inabilidade na atenção exigida, pode gerar irreparáveis danos ao paciente.



Exigir-se do profissional que, simplesmente pela formação médica, detenha um conhecimento profundo e pleno de todos os campos da Medicina, é absurdo.



Assim sendo, do ponto de vista ético-profissional, o médico não pode ser obrigado a prestar atendimento para os quais não se sinta capacitado, devendo, se necessário, requerer reciclagem ou treinamento específico."



Deixar que o próprio médico avalie no atendimento de urgência ou emergência a necessidade de participação de médico especialista é, sem sombra de dúvida, colocar em risco a vida do paciente por aquele que, no momento, não está em condições de discernir, pois o limite de atuação deverá estar limitado à capacidade técnica do médico na realização do procedimento.



Em região longínqua onde, via de regra, quando muito se encontra um médico, os fatos narrados na matéria jornalística podem ter menos conotação do que na maior cidade do país.



Como dito, os administradores hospitalares precisam analisar melhor os profissionais de medicina que fazem parte do setor de emergência ou urgência de hospitais.



O atendimento hospitalar de emergência ou urgência deve levar em conta todas as condições momentâneas relativas ao estado geral do paciente, em suas alterações clínicas e risco potencial, frente à possibilidade de se cometer grave engano ao se liberar paciente como ocorreu com mencionado torcedor.



O exame e julgamento daquele momento jamais podem ficar dependentes apenas do critério do médico de primeiro atendimento para que se tome cuidado com a vida e os direitos privados das pessoas, já que, de acordo com o inciso III, do Artigo 932, do Código Civil, são também responsáveis pela reparação civil:



"III- O empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele" (grifo nosso)



O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 18/02/3003. Decidiu:



Apelação Cível nº 133.8294/3-00



Danos materiais e morais - Morte da vítima de imperícia médica - Desnecessária qualquer outra dilação probatória sobre a autoria e os fatos ocorridos, ate o que já ficou decidido no âmbito penal, tendo, inclusive, essa sentença caráter de título executivo judicial (art. 584, II do CPC) - Na hipótese, o nosocômio réu responde pelo ato de seu preposto, consoante o art. 1521, inc III do Código Civil - (...) ".



Esperemos que, da próxima vez, o sistema de saúde esteja apto a garantir, com presteza, o prolongamento da vida daquele que padece de enfermidades profundas, fazendo com que o direito à saúde, enquanto direito fundamental, tenha a total efetivação conforme os ditames constitucionais.



CAMPINAS, 07/10/2004



Sobre os autores:



Cláudio Neme e Gisele Clozer Pinheiro Garcia são Advogados, residentes em Campinas.

E-mail: jurídico@cohabcp.com.br











--------------------------------------------------------------------------------



[i] (neoplasia) - designação genérica para qualquer tumor









Matéria publicada em 01/12/2004 - Edição Número 64

Nenhum comentário:

Postar um comentário